Fim da linha: assaltos a ônibus afetam saúde mental de rodoviários em Maceió

Sair de casa para trabalhar, mas não ter a certeza se voltará é a realidade dos motoristas e cobradores de ônibus em Maceió, que convivem diariamente com a insegurança e o medo de assaltos durante o expediente. Na capital alagoana, entre os anos de 2012 e 2016 foi registrado o número alarmante de 4.718 casos, de acordo

Trânsito Maceió 04.10.2016 Lucas Thaynan 4 - Fim da linha: assaltos a ônibus afetam saúde mental de rodoviários em Maceió
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Sair de casa para trabalhar, mas não ter a certeza se voltará é a realidade dos motoristas e cobradores de ônibus em Maceió, que convivem diariamente com a insegurança e o medo de assaltos durante o expediente. Na capital alagoana, entre os anos de 2012 e 2016 foi registrado o número alarmante de 4.718 casos, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP/AL).

Os relatos são semelhantes entre aqueles que rodam todos os dias as ruas da cidade transportando milhares de passageiros a seus destinos. “A gente só pede a Deus para voltar e agradece a Ele quando chega em casa”.

Quem narra a frase acima é Jalon Andrade da Silva. Motorista de ônibus urbano há quatro anos, ele já vivenciou dois assaltos enquanto trabalhava. O primeiro aconteceu em 2014, no bairro do Santos Dumont, quando dois homens armados subiram no coletivo, pularam a catraca e anunciaram o assalto. A ação foi rápida, mas o tempo foi suficiente para deixar rodoviários e passageiros aterrorizados.

Gráfico 2 - Fim da linha: assaltos a ônibus afetam saúde mental de rodoviários em Maceió

A cobradora Claudineide Maria de Almeida, mais conhecida como Neide, compartilha da mesma experiência. A diferença é o número de assaltos pelo qual passou durante cinco anos na profissão e a postura violenta dos criminosos. Foram sete ocasiões e, em todas elas, os assaltantes estavam armados. Segundo ela, o sexto roubo foi o mais marcante.

Foto Micaelle Morais - Fim da linha: assaltos a ônibus afetam saúde mental de rodoviários em Maceió

Jalon (esquerda) e Alyson (direta) foram assaltados por duas vezes, cada um. (Foto: Micaelle Morais/Agência Tatu)

“Os bandidos subiram no Jacintinho e foram até a última parada do ônibus, no Eustáquio Gomes. Quando eu estava fechando a janela do ônibus, eles me pegaram por trás. Nesse momento eu gritei, mas depois me deu um ‘branco’, que eu não consegui me mexer, nem falar”, conta a cobradora, que teve seu celular e o dinheiro do caixa do coletivo roubados.

O mais recente assalto sofrido por seu colega Jalon aconteceu há quatro meses no bairro do Jacintinho, por volta das 22h. “Eu vinha da Ponta Verde, sentido Sanatório. Chegando no ponto do Cesta de Alimentos, dois meliantes subiram no ônibus e passaram por baixo da catraca, deram voz de assalto e até chegar no próximo ponto já tinham roubado a renda do cobrador e os pertences dos passageiros”, relembra.

O depoimento de Jalon ilustra as estatísticas coletadas pela Agência Tatu junto à SSP/AL quando se refere ao local e horário de maior incidência de assaltos nos últimos cinco anos.

Os dados apontam o bairro do Jacintinho como líder do ranking, com 695 registros. Em segundo lugar, vem o Clima Bom com 359 casos. Logo depois, o Tabuleiro do Martins apresenta 330 assaltos. 

Quanto ao horário, o número de assaltos se mostra crescente ao longo do dia, sendo o período noturno o preferido dos assaltantes, com pico às 20h, registrando 769 ocorrências. (veja nos infográficos a seguir).

 

Gráfico 3 - Fim da linha: assaltos a ônibus afetam saúde mental de rodoviários em Maceió

Gráfico 1 - Fim da linha: assaltos a ônibus afetam saúde mental de rodoviários em Maceió

Assaltos espalhados pela cidade

O mapa de calor abaixo revela, visualmente, os locais onde se registrou assaltos a coletivos na capital alagoana. Mês a mês, é possível ver a evolução do número de ocorrências, registradas de janeiro de 2012 a dezembro de 2016, e constatar como estão distribuídos e disseminados por praticamente toda a cidade, da parte alta à baixa. No mapa, também é possível navegar por uma linha do tempo (localizada na parte inferior), selecionando mês e ano.

Corpo inseguro, mente fragilizada

Após os sete assaltos, a cobradora Neide diz que vive assustada durante o trabalho e que todas as vezes que alguém pula a catraca do ônibus ela tem calafrios, com medo de mais um assalto. “Você sai de casa para trabalhar, mas não sabe se volta”, declara, reafirmando o pensamento do colega de trabalho Jalon.

Muitos que passam por essa situação conseguem voltar para casa, mas não são os mesmos de quando saíram. Estudos apontam a presença constante da violência no ambiente de trabalho dos rodoviários, principalmente sob a forma de ameaças, agressões físicas e assaltos à mão armada, como fatores potencialmente danosos para a saúde mental dos trabalhadores.

“A exposição ao risco de violência coloca o trabalhador diante de um estado de tensão emocional e apreensão constante, exigindo o uso intenso de suas faculdades mentais e o fragilizando. Com isso, ele se torna mais vulnerável ao surgimento de problemas relacionados à elevação do estresse, como sinais de esgotamento, sintomas psíquicos e orgânicos e comprometimento de suas relações sociais, podendo levá-lo à exaustão e ao afastamento do trabalho”, explica o psicólogo e professor da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), Fred Alves.

Motorista, cobrador, passageiro… a gente anda com medo né, porque segurança nós não temos.”  – Jalon Andrade da Silva, motorista há 4 anos

O afastamento das atividades profissionais é confirmado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários no Estado de Alagoas (Sinttro/AL), que afirma, porém, não possuir levantamento quantitativo dos trabalhadores afastados, já que essas informações são contabilizadas pelas empresas. No entanto, esta realidade é comprovada pelos relatos dos motoristas e cobradores que, muitas vezes, vêem seus colegas não conseguirem desempenhar suas funções devido ao trauma. 

“Muitos companheiros tem trauma por conta dos assaltos. Eles estão afastados da empresa, recebendo benefício porque não conseguem mais trabalhar. Perdem a habilidade, o motorista de sair com o carro e o cobrador de fazer a cobrança. O ‘cara’ fica com muito medo. Tem uns com mais de 10, 15 assaltos no período em que trabalha na empresa”, relata o motorista Jalon Andrade.

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Hernande José dos Santos, vice-presidente do Sinttro-AL. (Foto: Ascom/SSP-AL)

A informação é confirmada pelo vice-presidente do Sinttro-AL, Hernande José dos Santos. “Alguns [rodoviários] ficam afastados alguns dias, já outros realmente têm sofrido mais de um assalto, então vão ficando mais frustrados. Tem que ter muita saúde mental para aguentar uma pressão dessas”, comentou.

E nem todos conseguem. A cobradora Neide relembra uma situação revoltante vivida por um companheiro de trabalho. “Teve um cobrador que colocaram um [revólver calibre] 38 na boca dele, durante um assalto no [Conjunto] Novo Jardim. Depois disso, afastaram ele, porque já não tinha mais condições de trabalhar”, contou.

De acordo com o psicólogo Fred Alves, o trauma psicológico decorrente da violência aliado ao estado permanente de apreensão e medo podem desencadear, além dos problemas psicológicos, distúrbios físicos, como afecções gástricas, dermatológicas, dentre outras. O psicólogo destaca ainda o grande impacto nas relações sociais, que vão desde o trabalho, a família e vida comunitária. “Os impactos do sofrimento e do estresse no trabalho são amplos e sistêmicos e não podem ser minimizados”, alerta.

Sem perspectiva de mudança, o trabalhador vê os níveis de violência se agravarem, chegando a casos em que pessoas são feridas e até mortas dentro dos coletivos. Como aconteceu em agosto do ano passado, quando três morreram após um assalto a um ônibus da linha São Jorge/Centro.

Segundo relato de testemunhas, dois homens e uma mulher anunciaram o assalto, quando um policial à paisana que estava no veículo reagiu e trocou tiros com os criminosos. Na ocasião, morreram um dos assaltantes, um passageiro e o policial, este, dias depois do acontecimento.

Em busca de soluções

O psicólogo Fred Alves salienta que o problema da violência urbana diz respeito não só às organizações, mas a toda sociedade, e que é necessário construir alternativas protetivas e acolhedoras às demandas do trabalhadores.

“O Estado precisa atuar fortemente na busca pela redução dos índices de violência com ações que ultrapassem o âmbito das medidas policiais e envolva uma verdadeira atuação nos determinantes sociais da mesma. Por outro lado, as empresas e trabalhadores precisam discutir mecanismos efetivos de aumento da proteção da vida, tanto no que diz respeito à estrutura, mas também no desenvolvimento de ações de promoção de saúde do trabalhador”, acrescenta o professor.

Para tentar reduzir o número das ocorrências, o Sinttro/AL afirma se reunir mensalmente com representantes da Segurança Pública, Transpal e empresas de ônibus. Nesses encontros, o sindicato apresenta os dados de assaltos do mês anterior, incluindo locais de maior incidência. Assim, a polícia pode realizar ações direcionadas de abordagens aos coletivos.

O vice-presidente do Sinttro/AL, Hernande José dos Santos, destaca a melhoria nos equipamentos de monitoramento dos veículos. “O secretário de Segurança Pública pediu que as empresas melhorassem a qualidade das imagens, que eram de baixa qualidade. E, a partir de então, as empresas passaram a trocar essas câmeras e agora temos imagens nítidas, que permitem reconhecer tudo que acontece dentro do coletivo, facilitando a identificação dos criminosos”.

Apesar destes esforços, os assaltos continuam ocorrendo com frequência em Maceió, atingindo usuários e trabalhadores do transporte coletivo. Quanto aos rodoviários que são afetados com a violência e precisam se afastar do trabalho, o Sinttro afirma oferecer cobertura médica por meio de plano de saúde por até 90 dias, inclusive para os dependentes, sem custo ao trabalhador.

“Quando o trabalhador se afasta, a empresa não fornece nenhuma informação para ele. Foi para o INSS, praticamente deixou de existir para a empresa. Por isso criamos essa modalidade de bancar os 90 dias iniciais, porque geralmente é o tempo que o trabalhador fica afastado, depois retorna às suas funções normais. Quem consegue ‘né’, quem não consegue, infelizmente…”, lamenta o vice-presidente do Sinttro-AL.

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