Trecho da Transposição no Ceará está seco por falta de demanda e não foi abandonado como afirmam postagens

Conteúdo engana ao afirmar que Lula desativou estrutura do Projeto de Integração do Rio São Francisco

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Conteúdo engana ao afirmar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desativou a estrutura do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) no Ceará, a chamada Transposição do São Francisco. O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) explicou que o trecho mostrado em vídeo está seco porque não há pedidos de entrega de água por parte dos estados. O argumento é sustentado pela Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará, que assegura que os principais reservatórios do estado apresentam níveis satisfatórios de armazenamento e não há necessidade de abastecimento. 


Conteúdo investigado: Vídeos mostram trecho vazio do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), conhecido como Transposição do São Francisco, em Mauriti (CE). Postagens acusam o presidente Lula de ter desativado a estrutura para “deixar a população na miséria”. 

Onde foi publicado: X e Youtube.

Conclusão do Comprova: Postagens enganam ao afirmar que o presidente Lula desativou o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) e por isso os canais em Mauriti, cidade do Ceará, estão sem água. Após a desinformação circular nas redes sociais, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) esclareceu que “o trecho mostrado nas imagens está seco porque não há pedidos de entrega de água por parte dos estados”. 

A transposição segue um Plano de Gestão Anual (PGA) que atende a demandas feitas pelos estados beneficiados — Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte —, através das operadoras estaduais, ao governo federal. No Plano de Gestão Anual referente ao uso das águas da Transposição – publicado em formato de resolução (246 de 17 de março de 2025) pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – o Ceará não estipulou uma vazão mínima dessas águas, em nenhum mês deste ano, nem no Reservatório de Jati, nem no trecho em questão entre o Açude Boi II e a divisa com a Paraíba. 

Em resposta ao Comprova, a Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará informou que em 2025 ainda não houve necessidade de bombeamento de água do São Francisco para o estado, uma vez que os grandes reservatórios do Ceará, com ajuda da quantidade chuvas deste ano, estão com nível de abastecimento suficiente. O Governo do Ceará afirmou ainda que o açude Orós – o segundo maior do estado -, atingiu 100% da capacidade este ano.

O órgão estadual também aponta que existe uma liberação mínima de vazão apenas para manter uma lâmina d’água nos canais e isto “não se configura como um aporte significativo de água da Transposição”.

O projeto da Transposição é composto por estações de captação e bombeamento geridas pelo governo federal. Uma vez captada do rio, a água passa por canais e aquedutos até os reservatórios, de administração estadual. 

O MIDR detalhou que o trecho seco está entre os reservatórios Boi II, que atualmente apresenta volume de 50% da capacidade total de armazenamento (13.242.913,32 m³ de água), e Morros, com 18% da capacidade operacional (855.562,17 m³ de água).

“O sistema PISF funciona para sanar os déficits hídricos dos estados, portanto, sob demanda dos governo estaduais, e não como uma rede de abastecimento de água convencional em que a água é entregue de modo ininterrupto. O MIDR enfatiza que todos os reservatórios estão em condições operacionais para atendimento aos estados e segue à disposição para a liberação das águas do PISF, caso seja necessário”, detalhou o ministério, ao acrescentar que aproveita a situação de maneira estratégica para realizar manutenção no reservatório de Atalho, também no Ceará. 

À reportagem, a Prefeitura de Mauriti respondeu que não tem participação direta na gestão do projeto. Em nota, a gestão municipal destacou a recorrência das chuvas no local. “Algumas regiões estão com água acima do nível, estamos no início de maio e mesmo com um inverno fraco já choveu mais 600 milímetros no município, algumas regiões passam dos 800 (milímetros)”, diz o texto. 

Conforme dados da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), em 2025, o acumulado de chuvas em Mauriti foi de 537,2 milímetros, sendo 310,2 milímetros durante o período chuvoso, que no Ceará vai de fevereiro a maio – portanto, ainda não chegou ao fim. 

Na bacia hidrográfica do Salgado, na qual a cidade de Mauriti está inserida, o volume acumulado dos reservatórios, nesta segunda-feira (19) está em 63,08%, o que é considerado um volume confortável no Ceará, conforme a Resolução 03/2020 do Conselho de Recursos Hídricos do Ceará. 

No site da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) também é possível acompanhar o nível das barragens do local. Mauriti é abastecida pela sub-bacia do Salgado, na bacia do Jaguaribe.  Os reservatórios que abastecem a cidade, Quixabinha e Gomes, estão, nesta segunda, em 13,91% e 61,9%, respectivamente. 

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano. 

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 16 de maio, o conteúdo no Youtube alcançou 365 mil visualizações. No X, foram 170 mil. 

Fontes que consultamos: Entramos em contato com a Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará e a Prefeitura  de Mauriti (CE), além do site do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), com informações sobre o funcionamento da PISF. Também consultamos o site da ANA para conferir os níveis das barragens do estado. 

O que é a Transposição do São Francisco

O principal objetivo do Projeto de Integração do Rio São Francisco  é levar água do Rio São Francisco para regiões semiáridas do Nordeste brasileiro. É considerada a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil. 

Conforme já publicado pelo Comprova, o Rio São Francisco, conhecido como Velho Chico, nasce em Minas Gerais, percorre 2,8 mil km, atravessando os estados da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Ele responde por 70% de toda a oferta de água do Nordeste, uma região que abriga 28% da população brasileira, mas conta com apenas 3% da disponibilidade de água do país.

O PISF, cujo custo da obra chegou a R$ 14 bilhões, busca garantir a segurança hídrica de cerca de 12 milhões de pessoas em 390 municípios dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. 

O projeto da Transposição tem um longo histórico. A ideia de levar água do São Francisco a outras regiões remonta a estudos de engenharia nas décadas de 1840 e 1850, encomendados por Dom Pedro II. Mas, no cenário recente, o projeto nasceu formalmente em 1985 e a obra só começou a sair do papel em 2007, passando por seis governos. Desde então, o empreendimento foi marcado por atrasos, problemas de planejamento e execução. 

O Comprova mostrou que até 2016 (último ano completo do governo Dilma), a execução física da obra alcançou 95,5% nos eixos Norte e Leste. O Eixo Leste entrou em operação no governo Temer e as entregas do Eixo Norte foram concluídas no governo Bolsonaro.

A estrutura da transposição é composta por dois eixos principais, que partem de Pernambuco:

  • Eixo Norte: Com 260 km de extensão, leva água para cidades dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Passa pelos municípios de Cabrobó, Salgueiro, Terranova e Verdejante (PE); Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti e Barro (CE); São José de Piranhas, Monte Horebe e Cajazeiras (PB). 
  • Eixo Leste: Possui 217 km de extensão e atende municípios de Pernambuco e Paraíba. Atravessa os municípios Floresta, Custódia, Betânia e Sertânia (PE); e  Monteiro (PB). 

Por que o Comprova investigou essa publicação: A transposição do São Francisco é alvo frequente de disputas políticas e conteúdos de desinformação devido ao tamanho, aos altos valores envolvidos e à relevância política e eleitoral para o Nordeste. Tendo em vista esse cenário, nos últimos anos o Comprova  fez inúmeras verificações de  conteúdos enganosos sobre o projeto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984

Outras checagens sobre o tema: Dentre outras checagens sobre a transposição, o Comprova já verificou afirmações falsas sobre o desligamento de bombas ou fechamento de comportas, causando crise hídrica; o conteúdo enganoso que Lula havia inaugurado obra da transposição já entregues por Bolsonaro; que Lula supostamente enfrentou protestos por ter fechado bombas da transposição que enviam água para reassentados em Pernambuco; e informações enganosas sobre um suposto fechamento de um trecho do Eixo Norte para beneficiar donos de carros-pipa. A mesma situação também foi checada pelo Estadão Verifica recentemente. 

Notas da comunidade: Até a publicação dessa checagem, não havia nota da comunidade na postagem sobre a veracidade da informação.

Metodologia

A matéria faz parte de uma curadoria de checagens de fatos do Projeto Comprova, uma coalisão de veículos de comunicação que se dedicam a combater a desinformação da qual a Agência Tatu é integrante.

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