No Nordeste, a taxa de mães negras com baixa escolaridade é 14% maior que a de mães brancas. Dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), analisados pela Agência Tatu, mostram que em termos proporcionais, para cada 100 mães brancas sem acesso à educação, havia 114 mães negras.
Em números absolutos, das cerca de 11 milhões de mães negras da região, mais de 5 milhões não tinham ensino fundamental completo. Das brancas, eram 4 milhões de mães e, delas, 1 milhão não teve acesso ao ensino formal.
Além disso, há uma expressiva desigualdade no acesso à educação no nível superior. Em 2022, 18% das mães brancas tinham curso superior completo, enquanto apenas 9,8% das mães negras chegaram a esse nível de escolaridade, o menor percentual entre as regiões do país junto com a região Sul.
Entretanto, apesar da proporção de mães negras com ensino superior ser próxima em diversas regiões, a desigualdade racial é mais acentuada nas regiões Sul e Sudeste do país, como mostra o gráfico.
Panorama dos estados
Nos estados do Nordeste, a proporção de mães sem instrução ou com fundamental incompleto é alta, e isso aumenta no recorte racial. Alagoas lidera com 47,75% de mães sem escolaridade formal, e 35,5% delas são negras. Em segundo lugar temos Piauí com 46,51% de mães nessa condição, das quais 37,68% são negras. Na Paraíba, são 46,25%, com 31,35% negras. Esses números consideram a quantidade de mulheres com filhos nascidos vivos.
Em comparação com 2010, na região Nordeste o número de mães com baixa escolaridade caiu 17% no geral, mas o avanço foi desigual entre os grupos raciais. A redução foi mais acentuada entre as mães brancas, em que a queda foi de 25%, seguida das pardas com redução de 19%.
Desigualdade é ainda maior entre mulheres pretas
Entre as mulheres que se autodeclaram pretas, houve um movimento contrário, o número de mães com baixa instrução cresceu 13%.
Esse crescimento no número de mães pretas com baixa escolaridade foi ainda mais intenso em alguns estados da região, como o Rio Grande do Norte (56,86%), Ceará (25,69%) e Sergipe (25,50%). A redução entre as mães brancas foi expressiva nesses mesmos estados, 20,08% no Rio Grande do Norte, 21,06% em Sergipe e 26,29% no Ceará.
Desigualdades são a base
Para a professora Marli Araújo, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), graduada em Serviço Social e pesquisadora nas áreas de educação em direitos humanos, violência doméstica e políticas públicas para mulheres, as mulheres negras historicamente, são o grupo que mais abandona a escola, muitas vezes por necessidade de trabalhar desde cedo.

“Vivemos abaixo da linha da pobreza, ou seja, para sobrevivermos precisamos trabalhar. O principal impacto nessa baixa escolaridade ou nessa ausência de escolaridade é que nós vamos viver um processo de opressão intenso a partir da classe, essa classe demarcada por um processo de cor e acrescido de uma questão de gênero”, explica.
Segundo ela, esse fenômeno não é acidental, mas resultado de um projeto social excludente desde a origem do país.
“Existe uma desigualdade fundante que se reflete de forma persistente enquanto processo histórico na vida de mulheres negras. Um país racista como o nosso se funda na desigualdade. Isso vai refletir diretamente nos processos de educação, em algum momento da história a educação não é permitida para mulheres, e quando se trata de mulheres negras ela foi proibida. Nesse sentido, mulheres negras sairão muito atrás do ponto de vista histórico, econômico e cultural no que diz respeito à educação”.
Um país racista como o nosso se funda na desigualdade
Marli ressalta ainda que o afastamento da escola por parte das mães pode ter efeitos intergeracionais. “O não acesso à educação vai gerar um conflito que pode ter dois vieses: aquela mãe que pode dizer ‘você tem que estudar porque eu não tive a oportunidade’, ou isso pode reverberar de uma outra forma: ‘você não precisa estudar porque a gente precisa trabalhar’. Isso impacta diretamente na forma de vida e nas condições de vida”, relata a especialista.
A professora finaliza destacando que o afastamento das mulheres negras da escola não é fruto de uma escolha individual, mas sim de um processo histórico estruturado pelas desigualdades de raça e classe.
“O que estou pontuando é que o não acesso à educação não está pautado por uma escolha individual, ele está pautado num processo histórico. A ausência na escola, a partir de uma perspectiva de raça inserida numa sociedade de classe, nos pauta como sujeitos que têm negado esse acesso, e a maternidade de mães negras é marcada por isso de uma forma muito forte”, finaliza.