Alta no preço do café se deve ao clima e não a medidas do governo Lula, como sugere post

Publicação afirma que Lula “destrói a economia” e cita aumento de 82% no preço do café moído

café
Predominantemente falso
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O aumento no preço do café nos últimos meses se deve a safras abaixo do esperado e questões climáticas, sem relação direta com medidas do governo Lula (PT), ao contrário do que sugere um post publicado na rede social X. A postagem cita uma alta de 82% no preço do café em 12 meses, que de fato corresponde à variação do valor do café moído no país no período entre maio de 2024 e maio de 2025, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas relaciona o aumento a ações do governo ao afirmar na mesma frase que Lula “destrói a economia”. Especialistas ouvidos pelo Comprova e por veículos jornalísticos apontam, no entanto, que a alta se deve a problemas climáticos e dificuldades estruturais nas áreas de cultivo.

A postagem investigada traz um desenho de uma sirene luminosa ao lado da frase “URGENTE –  Lula destrói a economia e preço do café sobe 82% em 12 meses”. A publicação coloca lado a lado imagens do rosto de Lula e de uma xícara de café. Com esses elementos, o post associa o aumento no preço do produto ao governo Lula. Não há referências a fontes que tenham servido de embasamento à publicação.

Uma busca reversa no Google utilizando exatamente o que está escrito no texto da publicação apresenta como resultado reportagens recentes que falam sobre o encarecimento do café. Contudo, portais como IstoÉ Dinheiro e Folha de S.Paulo não atribuem a alta ao governo Lula. Os dados analisados nas reportagens foram divulgados pelo IBGE e são referentes a variação acumulada nos últimos 12 meses. Para a IstoÉ Dinheiro, o gerente da pesquisa no IBGE, Fernando Gonçalves, afirmou que “as altas do café têm sido sucessivas. O histórico do café tem a ver com o clima em anos anteriores, não só aqui mas no mundo. Como não tem alternativa, isso aparece nos preços”.

Ao Comprova, o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Celírio Inácio, confirmou o percentual de alta do café, mas afirmou que o aumento se deve a uma questão “sistêmica e estrutural, e não passa por um problema político”. Desde 2021, segundo ele, o setor passou a sofrer com estoques reduzidos em função de problemas climáticos como geadas, secas e altas temperaturas em regiões produtoras. Pesou também a falta de investimentos em ampliação de área de cultivo, tecnologia e irrigação no campo, causada pela baixa remuneração paga a produtores nos anos anteriores, no período entre 2013 e 2020.

O cenário se somou a outras dificuldades, como o aumento de fertilizantes e combustíveis após a guerra entre Rússia e Ucrânia e o crescimento da demanda por café no mercado asiático. Em 2024, a safra de café brasileira foi de 54,2 milhões de sacas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), 1,6% menor do que a de 2023 e 14% menor do que a produção recorde de 2020. “Tivemos clima, câmbio, custo, logística, que começou a prejudicar, e poderia passar, mais essa falta de investimento sustentável, a desmotivação do produtor, o crescimento com esse consumo cada vez maior pelo mundo… Toda essa estrutura acabou fazendo com que a cadeia toda ficasse fragilizada”, explica Inácio. O dirigente ainda descarta interferência política no processo. “Independentemente de intervenção do governo, não mudaria e não vai mudar nada no sistema, porque é [uma questão de] oferta e procura”.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

A publicação foi feita por uma conta no X que se apresenta na descrição como perfil de notícias. Na foto de capa, utiliza a frase “Conheça os bastidores de Brasília”, o que pode sugerir credibilidade e remeter a um suposto acesso a autoridades e fontes na capital federal aos usuários da rede social. O perfil tinha 383 mil seguidores até o dia 23 de junho. A publicação investigada tinha 38,1 mil visualizações até a data de publicação desta verificação. Outras publicações da conta mantêm o padrão de um emoji de sirene com a palavra “URGENTE” em letras maiúsculas e uma frase sobre noticiário político nacional, como desdobramentos da denúncia contra o grupo de Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe, denúncias sobre a fraude do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de publicar conteúdos relacionados ao governo Trump nos Estados Unidos.

Em novembro de 2024, o perfil já havia usado a mesma estrutura de post para criticar o governo Lula, mas desta vez associando a gestão federal ao aumento no preço da carne. O post também é iniciado com um desenho de giroflex, a palavra “URGENTE” em letras maiúsculas e a mesma frase afirmando que o governo Lula “destrói a economia”, listando em sequência cortes de carne bovina com maior aumento à época. 

Na ocasião, no entanto, especialistas afirmavam em reportagens de veículos jornalísticos como o portal g1 e a BBC News Brasil que a alta da carne se devia a fatores como clima, com queimadas e redução de área de pastagens na Amazônia, Pantanal e Cerrado, além da economia interna brasileira aquecida e da valorização do dólar. Em dezembro, a mesma estrutura de postagem foi usada para falar do aumento nos preços de produtos da ceia de Natal. Em fevereiro, foi a vez da alta do cacau e do impacto nos ovos de Páscoa.

Em geral, as notícias do perfil são de críticas à gestão Lula ou viés favorável ao grupo bolsonarista. O Comprova tentou contato com o titular do perfil por mensagem no X, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A postagem destaca a palavra “urgente”, escrevendo-a em letras maiúsculas e sendo precedida por um emoticon de sirene. Essa técnica é usada para capturar a atenção imediata do leitor, podendo desencorajar uma reflexão mais aprofundada sobre a postagem. O texto, que é curto, atribui diretamente ao presidente Lula a culpa pelo aumento de 82% no preço do café. O uso de informações corretas, como a percentagem citada, é uma tática comum para tornar verossímil e mais convincente uma peça de desinformação. 

A postagem também usa dados impactantes e os tira de contexto. Esse tipo de artifício costuma ser usado para gerar uma indignação imediata. A escolha de termos como “destrói a economia”, aliada à temas sensíveis como escassez de alimentos e cestas básicas, reforça o apelo emocional do post e desperta sentimentos de temor e urgência no leitor. Ao mesmo tempo, a narrativa deixa de apresentar contrapontos ou dados relevantes, como projeções de estabilização de preços após a próxima safra, explicações da Abic ou IBGE, e estimativas de especialistas sobre as causas reais do fenômeno.

Fontes que consultamos: O Comprova consultou reportagens de portais jornalísticos como G1 e BBC News, dados da inflação anual calculada pelo IBGE e das safras de café no site do Conab e entrevistou o diretor-executivo da Abic, Celírio Inácio.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já mostrou que a foto de Lula com mapa-múndi invertido foi feita em reunião com IBGE e não tinha relação com plano de ação militar, apontou que era dublagem com IA o conteúdo que inventava supostas ameaças de líder de Burkina Faso contra Lula e que posts mentiam que malas com dinheiro teriam sido apreendidas com Janja na Rússia.

Notas da comunidade: Não havia notas da comunidade até a publicação deste conteúdo.

Metodologia

A matéria faz parte de uma curadoria de checagens de fatos do Projeto Comprova, uma coalisão de veículos de comunicação que se dedicam a combater a desinformação da qual a Agência Tatu é integrante.

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