As emendas dos parlamentares brasileiros de 2023 e 2024 já pagaram mais de R$59 bilhões até março de 2025. Deste valor, mais de R$17 bilhões foram de autoria de senadores e deputados nordestinos. No ranking das 10 maiores somas em emendas individuais nos últimos dois anos, quatro foram propostas por senadores da Bahia, Maranhão e Piauí.
O levantamento foi realizado pela Agência Tatu a partir de dados do Siga Brasil, sistema do Senado Federal que disponibiliza dados de orçamentos públicos. Na análise, foram consideradas as emendas incluídas em 2023 e 2024 e com valores já pagos aos favorecidos até o dia 13 de março de 2025. Os recursos beneficiaram municípios, governos estaduais, fundos de saúde, empresas e até pessoas físicas.
No ranking nacional dos 10 parlamentares com maiores valores somados de emendas individuais no período, aparecem quatro de autoria de senadores de estados do Nordeste: Eliziane Gama (PSD/MA) e Otto Alencar (PSD/BA) são responsáveis pelo envio de 128 milhões cada um; enquanto Marcelo Castro (MDB/PI) e Angelo Coronel (PSD/BA) destinaram, cada um, 127 milhões aos favorecidos.
Confira a tabela abaixo.
A senadora Eliziane Gama (PSD/MA) direcionou suas principais emendas para o Maranhão, com destaque para o Fundo Municipal de Saúde de Bacabal, que recebeu R$ 18,8 milhões. Bacabal é um município de mais de 100 mil habitantes, está a 127km de Monção, município natal da parlamentar. Foi em Bacabal onde a senadora obteve a sexta maior quantidade de votos entre os municípios maranhenses para se eleger em 2018.

O Governo do Maranhão também foi contemplado com R$ 14 milhões. Diversos outros municípios maranhenses e fundos municipais de saúde também foram beneficiados com as emendas da parlamentar, além do Instituto Global Attitude, que recebeu R$ 289 mil.
Eliziane tem ligações políticas com o governo estadual e federal. O irmão, Eliel Gama, é presidente do Instituto de Metrologia do Maranhão (Inmeq), outro irmão, Efraim Gama, é diretor da UPA do Parque Vitória, em São José do Ribamar (MA) e a irmã Elisvane Gama é superintendente da Pesca no Maranhão. Além disso, o presidente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Inácio Melo, ocupa o cargo por indicação de Eliziane.

Na Bahia, o senador Otto Alencar (PSD/BA) priorizou o Fundo Estadual de Saúde, destinando R$ 8,4 milhões. Os municípios de Ipirá, Santa Rita de Cássia, Iraquara e receberam, respectivamente, R$ 5 milhões, R$ 4 milhões e R$ 3,5 milhões. Outros municípios e fundos de saúde foram contemplados com valores entre R$ 300 mil e R$ 1 milhão.
Otto Alencar faz parte do grupo político do governador Jerônimo Rodrigues (PT). O parlamentar é aliado também do ex-prefeito Ipirá, Dudy, e do atual, Thiago do Vale, ambos do PSD. Em 2018, 72% dos votos de Ipirá para senador foram em Alencar. O prefeito de Santa Rita de Cássia, Zezo Aragão (PSD), e o prefeito de Iraquara, Nino Coutinho (PSD), também são aliados políticos de Otto.

O senador Marcelo Castro (MDB/PI) concentrou seus recursos no Piauí, com R$ 6,8 milhões para o Governo do Estado e R$ 1,9 milhão para o município de Jurema. Diversos outros municípios e fundos de saúde piauienses também foram beneficiados. Um ponto distintivo em suas emendas foi a destinação de recursos a 220 pessoas físicas, com valores individuais entre R$ 300 e R$ 10,5 mil. Marcelo Castro foi relator do Orçamento da Câmara dos Deputados em 2023 e é aliado do governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT).
Jurema, o município mais beneficiado com as emendas de autoria do parlamentar, tem como prefeita a advogada Kaylanne (MDB), que conta com o apoio político do parlamentar. Jurema fica a apenas 65km do município de São Raimundo Nonato, onde Marcelo nasceu. Também se chama Jurema uma construtora regional pertencente à família do senador e que já foi alvo de investigações relacionadas a emendas de Castro.

Com o oitavo maior valor pago em emendas individuais, o senador Angelo Coronel (PSD/BA) beneficiou principalmente o município baiano de Coração de Maria, que recebeu R$ 12,1 milhões, seguido por Prado, com R$ 10 milhões. As demais emendas do parlamentar foram distribuídas entre municípios baianos e fundos municipais de Saúde, com valores variando de R$100 mil a R$4 milhões.
Angelo Coronel é natural de Coração de Maria, município do qual já foi prefeito entre 1989 e 1992 e apoiou a reeleição do atual prefeito Kley Lima (AVANTE). Em 2024, Angelo foi até Prado apoiar a eleição do atual prefeito Gilvan (PSD).
A reportagem tentou contato com os quatro parlamentares por meio do e-mail institucional de cada um disponibilizado no site do Senado. A Agência Tatu solicitou detalhes sobre a distribuição das emendas e como elas foram executadas, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.
Bancadas dos estados do Nordeste estão entre as que mais destinaram emendas
Entre 2023 e 2024, as emendas de bancadas parlamentares resultaram em repasses de 10,2 bilhões a municípios, instituições e pessoas físicas. Das 10 bancadas que mais destinaram recursos, sete são do Nordeste: Piauí, Ceará, Maranhão, Alagoas, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba. Juntos, deputados e senadores das nove bancadas enviaram 4,1 bilhões, representando 43% do montante total distribuído por todas as bancadas estaduais.
A bancada do Piauí se destaca entre as representações nordestinas, liderando os repasses de recursos. Os maiores beneficiários foram o Fundo de Saúde do Estado, que recebeu R$65,2 milhões, e o Fundo Municipal de Saúde de Teresina, contemplado com R$20 milhões.
Na Câmara Federal, o Piauí é representado pelos deputados Átila Lira (PP), Castro Neto (PSD), Dr. Francisco (PT), Flávio Nogueira (PT), Florentino Neto (PT), Jadyel Alencar (Republicanos), Julio Arcoverde (PP), Júlio Cesar (PSD), Marcos Aurélio (PSD) e Merlong Solano (PT). No Senado, a representação piauiense é composta por Ciro Nogueira (PP), Jussara Lima (PSD) e Marcelo Castro (MDB).
Emendas podem gerar desigualdade
O especialista em Orçamento Público, Dalmo Palmeira, observa que a distribuição de emendas segue critérios estabelecidos pelos próprios parlamentares, o que pode agravar desigualdades regionais por meio do fenômeno conhecido como “deserto político”. “Não há garantia contra a concentração de emendas em determinados municípios e a escassez em outros. Existe a situação em que algumas localidades não recebem recursos de emendas parlamentares simplesmente porque os candidatos que receberam votos nessas áreas não foram eleitos”, explica.

Mestre em Políticas Públicas pelo IPEA e assessor técnico no Senado Federal, Palmeira defende que as emendas só atenderão efetivamente aos interesses dos cidadãos quando o planejamento setorial for considerado na alocação das emendas.
“O planejamento setorial fundamenta-se em estudos sobre as necessidades da população e as melhores alternativas para atendê-las. Como atualmente não existe vinculação entre a alocação das emendas e esse planejamento, mesmo um parlamentar bem-intencionado pode atuar na direção oposta àquela indicada pelos estudos técnicos, frequentemente por falta de conhecimento. Por isso, seria essencial alinhar esses dois processos: o planejamento e a alocação de recursos”, avalia Dalmo.
O que são as emendas
As emendas parlamentares foram incorporadas à Constituição Federal de 1988. Conforme explica o “Manual sobre emendas parlamentares” elaborado pelo governo federal, “elas têm como objetivo promover uma distribuição mais equilibrada dos recursos públicos no Brasil, permitindo que o Congresso Nacional participe ativamente na formulação do orçamento anual”.
Este mecanismo possibilita que o parlamentar, conhecedor das necessidades específicas de sua região, direcione verbas para a implementação de políticas públicas que atendam às demandas particulares de seu eleitorado. Estas emendas podem ser propostas individualmente pelos parlamentares, coletivamente pelas bancadas estaduais ou pelas Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sendo formalizadas na Lei Orçamentária Anual (LOA).