Estudo não conclui que ivermectina reduz mortes por covid

Pesquisa diz ser improvável que ivermectina produza melhora significativa para pacientes

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Diferentemente do que afirma um médico em um vídeo que circula nas redes sociais, o artigo “Ivermectina para COVID-19 em adultos na comunidade (PRINCIPLE): Um ensaio clínico de plataforma, aberto, randomizado, controlado e adaptativo sobre desfechos de curto e longo prazo“, publicado em abril de 2024 pelo The Journal of Infection, da British Infection Association, não concluiu que o uso de ivermectina reduza o tempo de hospitalização e de mortes de pacientes com covid-19. O artigo em questão reconhece uma redução estatisticamente relevante no tempo de recuperação dos pacientes que utilizaram ivermectina, mas ressalta que o efeito é mínimo para ser considerado clinicamente relevante.

No conteúdo, publicado no Instagram, o autor do vídeo afirma que o uso do medicamento resultou em dois dias a menos de infecção, além de uma redução de 60% nos casos de hospitalização e morte. Em um post publicado no X, uma pessoa reproduziu o vídeo acrescentando que a ivermectina funcionaria não apenas contra covid como contra a gripe (influenza). Na realidade, o estudo em questão nem mesmo menciona a ivermectina como tratamento para a gripe (influenza).

A conclusão à qual chegou o médico, que se identifica como Davi Rodrigues, não é sustentada pelos autores do estudo. Logo no início do texto, na seção “interpretação”, os autores afirmam que é “improvável que a ivermectina para covid-19 proporcione melhora clinicamente significativa na recuperação, internações hospitalares ou desfechos a longo prazo”. A pesquisa também afirma que, mesmo que os resultados evidenciem um pequeno benefício na duração dos sintomas, o uso de ivermectina não é apoiado como tratamento para covid-19 em uma população amplamente vacinada. Na conclusão do artigo, os pesquisadores afirmam que os resultados “apoiam a posição de que a ivermectina não deve ser usada para tratar a infecção por SARS-Cov-2 na comunidade em países de alta renda com uma população amplamente vacinada”.

Infectologista, doutor em medicina tropical e professor do curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB), César Carranza Tamayo explica que estudos, como o artigo “PRINCIPLE”, devem ser analisados a partir de dois pontos de vista: o estudo isoladamente e no contexto de outras pesquisas. Analisada isoladamente, a pesquisa indicou um benefício subjetivo no uso da ivermectina em pacientes com casos leves a moderados de covid-19, independentemente do status vacinal. Contudo, para os desfechos importantes e que podem ser medidos objetivamente (hospitalização, mortalidade e qualidade de vida), não houve vantagem em usar esse medicamento.

Tamayo também menciona a pesquisa “‘Efficacy and safety of ivermectin for treatment of non-hospitalized COVID-19 patients: A systematic review and meta-analysis of 12 randomized controlled trials with 7,035 participants”. Em português: “Eficácia e segurança da ivermectina para tratamento de pacientes com COVID-19 não hospitalizados: uma revisão sistemática e meta-análise de 12 ensaios clínicos randomizados com 7.035 participantes”, realizada por ele em parceria com outros pesquisadores. O estudo concluiu que a ivermectina não demonstrou eficácia no tratamento da Covid-19 em nenhum estágio da doença, independentemente da situação vacinal do paciente.

O autor do conteúdo investigado afirma no vídeo que 60% das hospitalizações e mortes por covid-19 foram reduzidas com o uso de ivermectina, mas ele faz uma interpretação errônea dos dados. Ele se baseia na tabela que registra 34 hospitalizações e/ou mortes relacionadas à covid-19 (1,6%) no grupo da ivermectina e 144 (4,4%) no grupo de cuidados habituais. Contudo, o homem ignora o dado de 0%, detalhado na coluna seguinte: “diferença estimada na mediana do tempo até a recuperação ou na taxa de hospitalização/óbito (95% intervalo de credibilidade bayesiano).

Para o Estadão Verifica, que checou o vídeo em janeiro, o pesquisador Gabriel da Rocha Fernandes, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Minas Gerais, explicou o motivo de conclusão estar errada: “O teste estatístico mostra que em 95% das vezes, essa diminuição da porcentagem (cerca de 60% de redução de mortes) pode ser de -1% até 0.6%”. Ou seja, o valor negativo indica que o efeito pode ser inverso. E isso deve-se à aleatoriedade representada pelas observações. Então, essa ‘diferença’ de fato não existe, e é apenas um artefato do conjunto de dados”.

Conteúdo foi publicado por médico

O vídeo foi gravado pelo médico brasiliense Davi Rodrigues. Em sua conta no Instagram, ele costuma publicar vídeos questionando a eficácia de vacinas contra covid-19. Ele também publica conteúdos sobre a energia das células do corpo humano e vende cursos, produtos e consultas para quem deseja recuperar a energia do corpo e melhorar a saúde.

O Comprova entrou em contato com o autor da publicação original no Instagram e com o usuário que repostou o vídeo no X, mas não obteve respostas até a publicação deste texto.

Credibilidade de profissionais de saúde pode enganar

Uma combinação de fatores pode ser responsável por fazer o público ser enganado por este tipo de conteúdo. Um deles é o fato de que o autor do vídeo é um médico, o que confere a ele uma aura de credibilidade junto à sociedade. Outro fator é que o autor do vídeo faz uma referência a um estudo científico e, para isso, utiliza uma linguagem técnica. Isso pode convencer pessoas que não têm familiaridade com a leitura crítica de evidências científicas.

Além disso, como ficou claro durante os anos da pandemia, uma parte da sociedade acreditou na possibilidade de que medicamentos como a ivermectina proporcionariam uma melhora para os sintomas de covid-19 ou mesmo que poderiam impedir a contaminação pelo vírus causador da doença. Esse discurso foi insuflado por profissionais de saúde e políticos, o que deu a ele grande visibilidade, apesar da falta de evidências científicas para embasá-lo.

Fontes que consultamos: Pesquisa no Google pelas palavras-chave do vídeo; consulta a checagem do Estadão Verifica, ao site do Ministério da Saúde e ao site onde o estudo foi publicado; uso da ferramenta NotebookLM para tradução e resumo do artigo; pesquisa de outros estudos sobre o tema.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em janeiro de 2025 o Estadão Verifica já mostrou que o estudo não concluiu que ivermectina reduz tempo médio de infecção por covid. O Comprova já checou outras peças de desinformação sobre ivermectina, incluindo vídeos que enganam ao indicar seu uso para o tratamento da dengue e post que citava estudo feito em Itajaí que não provava a eficácia do medicamento contra covid-19.

Notas da comunidade: Na publicação no X não foram incluídas notas da comunidade sobre as informações do vídeo.

Metodologia

A matéria faz parte de uma curadoria de checagens de fatos do Projeto Comprova, uma coalisão de veículos de comunicação que se dedicam a combater a desinformação da qual a Agência Tatu é integrante.

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