O número de casamentos entre homens e mulheres caiu em seis dos nove estados do Nordeste. É o que mostram os dados do IBGE analisados pela Agência Tatu. Entre 2019 e 2023 – último ano da pesquisa – houve queda nos registros de matrimônios heterossexuais nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Sergipe, Alagoas e Ceará.
Em toda a região, embora a maior parte dos casamentos sejam heterossexuais, houve uma queda de 9,33% no período analisado, com o número de matrimônios reduzindo de 236 mil em 2019 para 214 mil em 2023.
Pernambuco lidera o recuo, com uma diminuição de 21% no número de matrimônios entre homens e mulheres. Em seguida, aparecem Rio Grande do Norte com 14% e Bahia com 13% de redução. Por outro lado, três estados registraram crescimento: Paraíba (0,93%), Piauí (3%) e Maranhão (10%).
Crescimento nas uniões homoafetivas
Enquanto o número de casamentos heterossexuais diminui, os matrimônios homoafetivos têm apresentado um crescimento significativo, com um aumento de 33% na região. O Maranhão é o estado que lidera esse movimento com um avanço de 110% no número de uniões homoafetivas entre os anos de 2019 e 2023.
Esse crescimento é impulsionado pelo casamento entre mulheres. Mais uma vez, o Maranhão lidera, com um aumento de 127%. Ceará e Sergipe também registraram um salto significativo, com 50% e 47% respectivamente. Pernambuco (40%), Rio Grande do Norte (33%) e Bahia (20%), apesar de apresentarem uma queda nos casamentos heterossexuais, demonstram aumento nas uniões homoafetivas entre mulheres.
Por trás dos dados
Ketilly e Raíssa oficializaram a união em fevereiro de 2024, após dois anos de relacionamento. Para elas, o casamento não foi só uma formalidade, mas um passo fundamental para uma vida com mais leveza e amor.
Assinar os papéis no cartório, receber o sobrenome dela e ela receber o meu, foi também uma forma de validar nossa relação perante a sociedade. Tornar essa relação oficial fez com que as pessoas ao nosso redor confirmassem que estamos realmente decididas a compartilhar nossas vidas.
Antes mesmo do “sim”, elas já funcionavam como uma família, administrando suas finanças juntas e planejando os detalhes da vida a dois, o que lhes garantiu agora a privacidade e a independência que tanto buscavam para construir um lar sem interferências.

Elas foram o único casal homoafetivo do cartório no dia da união. Embora o processo tenha sido tranquilo, a juíza de paz fez um discurso em prol dos casamentos homoafetivos. Esse gesto, apesar de acolhedor, gerou uma reflexão: “Se não existisse esse preconceito, ela não precisaria fazer esse discurso todo, sabe? Seria a coisa mais natural”, conta Ketilly.
Estigmas que persistem
Apesar do crescimento geral na região, Alagoas ocupa a última posição no ranking, com apenas 3% de aumento nas uniões homoafetivas. Enquanto isso, o vizinho Pernambuco registra um crescimento de 24%. Em Alagoas, as uniões entre mulheres cresceram 5%, mas entre homens, o número se manteve estável.
Segundo Andréa Pacheco, professora da Faculdade de Serviço Social na Universidade Federal de Alagoas, o estado ainda demonstra um conservadorismo extremo, essa característica se expressa nos índices de violência direcionada a grupos minoritários, potencializando o retrocesso em termos dos direitos destas populações, aprofundando o sentimento de medo.
Muitas vezes a população LGBTQIA+ não se casa por medo da família, de perder o emprego, de perder os amigos ou da violência externa. A discriminação e o preconceito acabam por construir um grande pacto coletivo do silêncio em que um lado finge não vê e outro fica dentro do armário para não ser visto.
Para a especialista, o conservadorismo também pode explicar o crescimento no número de casamentos homoafetivos em outros estados. “A preocupação da comunidade em legalizar suas relações afetivas existentes funciona como forma de se proteger de futuros retrocessos. A população LGBTQIA+ vem cada vez mais atuante na militância e nas lutas por seus direitos, e busca assegurar igualdade, justiça e equidade social. As pessoas andam de mãos dadas, se beijam, se abraçam porque se entendem como cidadãos e cidadãs, e desta forma entendem que têm todos os direitos de viver em sociedade”.
Dessa forma, em meio à ameaça às liberdades e ao receio da violência, surge a força dos movimentos LGBTQIA+, que se articulam pela cidadania plena da comunidade. Ações como paradas e casamentos coletivos são exemplos desse trabalho, facilitando o processo de união e garantindo o direito à construção de uma família.