Clã Bolsonaro e o Bolsa Família: como a família do presidente mudou de discurso em troca de votos

Presidente que determinou aumento no Auxílio Brasil pouco antes das eleições, já defendeu que assistencialismo seria compra de votos

Capa de reportagem sobre as mudanças de discurso da família bolsonaro em relação ao bolsa família
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O presidente da República Jair Bolsonaro (PL) discursou na cidade de Garanhuns, em Pernambuco, no dia 17 de setembro, para lembrar que o programa Bolsa Família já não existe e defender o Auxílio Brasil, lançado por seu governo durante a pandemia da Covid-19 e que foi ampliado dois meses antes das eleições gerais no Brasil.

No entanto, a relação de Jair Bolsonaro e seus filhos políticos com os programas sociais de transferência de renda nem sempre foi positiva. Os dados, analisados pela Agência Tatu, foram extraídos das redes sociais do Clã Bolsonaro (formado por Jair, Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro) pela plataforma METAMEMO e apontam a mudança nos discursos.

ATAQUES AO BOLSA FAMÍLIA

O primeiro dos 216 registros de menção ao programa social identificados pela plataforma  METAMEMO nas redes sociais ocorreu em 2014, quando Jair Bolsonaro utilizou uma reportagem do jornal Estado de S. Paulo para criticar o governo do PT. Na postagem, o então deputado federal vinculava o Bolsa Família a supostos ‘kit gay’ e ‘bolsa crack’.

“Kit-gay, bolsa família, auxílio-reclusão, bolsa crack… o eleitorado do PT cresce e o trabalhador de verdade é taxado e tachado”, publicou Bolsonaro, junto a uma reportagem que falava de um programa paulista para fornecer tratamento a usuários de drogas.

Até 2017, a família presidencial seguiu tecendo críticas ao programa. Em março de 2014, Carlos Bolsonaro, hoje conhecido por ser o estrategista digital da família, dava publicidade a sua atuação como vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. “O único a votar contra a criação do Bolsa Família municipal”, afirmou.

O comentário mais ideológico a respeito do programa apareceu em maio daquele mesmo ano, quando Jair afirmou que um dos principais propósitos seria a compra de votos.

“São inúmeros os absurdos que envolvem esse programa social, a começar por seus principais propósitos: a compra do voto, o controle dos mais fracos e o disfarce do alto índice de desemprego. Uma prova dessa estratégia foi o aumento de 10% no Bolsa Família anunciado recentemente por Dilma Rousseff, tentando claramente reverter sua queda nas principais pesquisas de intenção de voto para presidente”, declarou na época.

Em 2017, o discurso a respeito do Bolsa Família começou a mudar. Mas, antes disso, Bolsonaro e seus filhos políticos ainda fizeram outras declarações negativas a respeito do programa, como quando houve a desfiliação de Jair do Partido Progressista, legenda em que permaneceu 11 anos.

“Durante a convenção nacional do Partido Progressista solicitei minha desfiliação sem perda do mandato. O Brasil é muito mais que “Bolsa Família e Pronatec”, temas preponderantes dos candidatos por ocasião das eleições de 2014. Pretendo estar em um partido onde, de acordo com a vontade de vocês, poderei disputar ou colaborar com propostas que verdadeiramente possam fazer do Brasil um país reconhecido no cenário mundial”, disse.

Veja a linha do tempo com um recorte das principais postagens sobre o Bolsa Família de 2014 a 2016:

MODULAÇÃO DO DISCURSO

A partir de 2017, o discurso do clã Bolsonaro começa pouco a pouco a ser modulado para reduzir os ataques ao programa assistencial. “A crítica não é para o Bolsa Família, a crítica é para as fraudes, pois o programa se tornou eleitoreiro”, diz Eduardo Bolsonaro na primeira postagem da família Bolsonaro naquele ano.

As poucas menções ao programa seguem menos críticas até junho de 2018, quando Eduardo Bolsonaro republica um vídeo do apresentador alagoano Sikêra Jr. “[…]se dá Bolsa Família, que é uma prévia de compra de voto antecipadamente, todo mundo sabe disso. Se você for no Nordeste, ninguém quer emprego, quer Bolsa Família. A compra de votos sempre existiu, mas agora é oficial”, argumenta o apresentador durante entrevista à Jovem Pan.

Os dados da plataforma METAMEMO mostram que entre abril de 2015 e outubro de 2018 todas as menções ao Bolsa Família foram feitas pelos filhos de Jair. O então presidenciável usa as suas redes para voltar a falar do programa apenas em 9 de outubro de 2018, dois dias após o primeiro turno das eleições. “O PT é o partido da demagogia! Manteremos o Bolsa Família e combateremos as fraudes para possibilitar o aumento para quem realmente precisa, como dito várias vezes”, afirmou.

Essa foi a primeira vez que Jair Bolsonaro disse em suas redes sociais que fortaleceria o programa.

De acordo com o cientista político Ranulfo Paranhos, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), defender a manutenção e até a ampliação do programa foi uma decisão puramente eleitoral.

“Essa mudança no discurso, que se percebe a partir de 2017, com efeitos em 2018 e que se repete agora em 2022, está diretamente relacionada à estratégia de campanha. Não tem como um candidato à vaga de presidente da república sustentar um discurso contrário ao auxílio aos mais necessitados”, explica.

Ainda segundo Paranhos, esta modulação no discurso está diretamente relacionada à intenção de conquistar votos de uma parcela relevante do eleitorado brasileiro.

Veja a linha do tempo com as principais postagens sobre o Bolsa Família de 2017 até o final de 2018:

ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO ESTRATÉGIA ELEITORAL

Durante a campanha para o segundo turno das eleições de 2018, a família Bolsonaro inicia uma nova promessa: o 13º do Bolsa Família. O argumento mais presente nas postagens é de que existiriam fraudes no programa e o encerramento dessas fraudes permitiria o pagamento de uma parcela extra do benefício. Esse discurso persiste até a aprovação e início dos pagamentos da parcela adicional.

A partir de então, se tornam muito mais frequentes as comparações com os governos petistas e se inicia uma disputa tanto do número de beneficiários, quanto dos valores destinados ao programa em cada governo. Estes comparativos só se tornam mais fortes com a pandemia do coronavírus.

A partir do aumento de gastos com assistência social, a família Bolsonaro começa a propagandear o aumento nos valores e número de beneficiários tanto do Bolsa Família quanto de outros programas sociais, o que se intensifica ainda mais com a criação do Auxílio Brasil. Com isso, em março de 2022, Jair Bolsonaro fez uma publicação em sua conta no Instagram onde defende os programas de assistência social de seu governo.

“Graças ao maior programa assistencial que o mundo já viu, milhões de brasileiros não passaram fome. R$ 355 bilhões pagos diretamente a mais de 68 milhões de pessoas; Se considerarmos que cada pagamento beneficiou ao menos mais uma pessoa, podemos dizer que mais da metade dos brasileiros foram beneficiados pelo auxílio; Em 2020, o valor disponibilizado foi equivalente a 15 anos de bolsa família”, afirma a publicação do presidente, o que gerou, inclusive, diversas manifestações contrárias de seus seguidores na plataforma.

Veja a linha do tempo das principais postagens sobre o Bolsa Família desde a posse de Jair Bolsonaro até hoje:

  • Este foi o período com o maior volume de citações ao programa Bolsa Família nas redes sociais dos Bolsonaro

Para o cientista político Ranulfo Paranhos, a modulação do discurso se dá em um contexto onde o presidente da república sabe que a única forma de tentar conquistar votos do estrato social mais pobre da população brasileira é apoiando programas de transferência de renda. “Mesmo modulando o discurso e garantindo que o programa seja mantido e até aumentando o valor, ele não tem conseguido conquistar a parcela do voto desse eleitorado”, pondera.

Ainda de acordo com Ranulfo, estudos estatísticos revelam uma correlação entre votos para governos petistas e regiões com maior número de beneficiários de programas sociais. Pesquisas eleitorais mais recentes revelam, no entanto, que o aumento do Auxílio Brasil por Bolsonaro não se reflete em votos para o candidato a reeleição.

“Na prática, as pessoas reconhecem a política pública e votam naquele que criou a política pública. Nesse caso o PT vai levar a maioria dos votos. E ainda que o presidente chame isso de compra de votos, esse não é o caso”, conclui.

O OUTRO LADO

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República foi procurada para comentar as postagens, mas até o fechamento desta reportagem não houve qualquer resposta. O espaço segue aberto.


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