É falso que o governo brasileiro tenha anunciado um projeto de lei para implementar, a partir de 1º de julho, mudanças drásticas nas regras de trabalho de motoristas de aplicativos como o Uber e de entregadores do iFood. Uma postagem no TikTok apresenta informações alarmistas sem citar fontes confiáveis, leis, decretos ou documentos públicos que sustentem as alegações.
O Comprova entrou em contato com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que afirmou não reconhecer as informações veiculadas no vídeo compartilhado. “Desconhecemos qualquer projeto de lei aprovado recentemente ou em vias de aprovação no Congresso Nacional referente à tributação de prestadores de serviços de entregas e transporte de passageiros por aplicativos”, comunicou. O Comprova também buscou, mas não encontrou registros oficiais que confirmem a existência de tal projeto de lei.
O vídeo afirma que todas as plataformas seriam obrigadas a repassar cada centavo do rendimento dos trabalhadores e descontar automaticamente até 30% em tributos, e que motoristas que fizerem mais de três corridas por dia passariam a ser monitorados pelo governo. Também diz que o recebimento de gorjetas em dinheiro resultaria em multa e acusação de sonegação, e contas seriam bloqueadas para quem não aceitasse essas novas regras.
As informações apresentadas pelo vídeo são ditas por uma figura que parece ser um jornalista em uma bancada de telejornal. De acordo com a ferramenta Hive Moderation, o vídeo possui uma estimativa de 99% de chance de ter sido gerado por inteligência artificial.
Ferramentas de IA podem falhar na detecção de conteúdos, por isso devem ser usadas como apoio à análise humana. O Comprova identificou distorções típicas de vídeos produzidos com o uso de inteligência artificial. Um exemplo é a chamada do telejornal, que apresenta duas distorções na palavra “Notícias”.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
O conteúdo foi publicado por um perfil no TikTok que acumula 33 mil seguidores e divulga vídeos com aparência semelhante à de um telejornal. Nos vídeos publicados na página, aparecem diferentes apresentadores, que veiculam notícias políticas falsas.
As postagens nunca informam o nome dos jornalistas ou do canal onde o noticiário seria veiculado. A conta costuma utilizar as tags #news e #notícias, dando a entender que se trata de uma página jornalística. O vídeo verificado alcançou 150 mil visualizações, recebeu 4 mil curtidas, 500 comentários e foi salvo por 600 usuários até o momento desta verificação.
O uso recorrente de símbolos do jornalismo pode indicar intenção de explorar a autoridade de veículos de imprensa para aumentar o alcance e o impacto de conteúdos enganosos. Comentários da publicação indicam que pessoas acreditaram no que é dito no vídeo. Até o momento, o responsável pela publicação não respondeu ao contato feito pelo Comprova.
Esta não é a primeira investigação do Comprova sobre esse perfil. Em outra verificação, testes realizados com o Hive Moderation — tecnologia que analisa características de vídeos e identifica possíveis criações com inteligência artificial — apontaram 99,9% de chance de o vídeo em que o ‘jornalista’ aparece ter sido gerado por IA.
Por que as pessoas podem ter acreditado
A publicação utiliza diversas táticas de persuasão para provocar medo, indignação e senso de urgência entre motoristas de aplicativos e entregadores. O vídeo começa com a expressão “notícia urgente”, passando sensação de alarme e imediatismo. Em seguida, utiliza linguagem hiperbólica — como “acabar com a vida”, “destruir o trabalho” e “ataque covarde” — para reforçar a ideia de que o governo estaria promovendo uma ação radical e injusta contra trabalhadores.
O conteúdo também se vale de generalizações alarmantes (“todas as plataformas serão obrigadas…”, “vai entrar numa lista de monitoramento fiscal”) que dão a falsa impressão de que medidas extremas já estão definidas e terão aplicação imediata. Há ainda o uso de perguntas retóricas (“isso é justiça ou um ataque covarde?”), que reforçam a opinião do autor enquanto simulam abertura ao diálogo. Por fim, a publicação termina com uma chamada à ação — “curta”, “compartilhe”, “fiquem em alerta” — para estimular o engajamento e aumentar a disseminação da mensagem, fortalecendo a narrativa por meio da mobilização coletiva.
Fontes que consultamos: As empresas Uber e iFood, assim como a Amobitec.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já verificou que é falso que proposta do governo proíba Uber e iFood no Brasil. O UOL Confere e o Aos Fatos também verificaram que é falso que Lula quer acabar com trabalho por aplicativo, como Uber e Ifood. É falso que o g1 publicou reportagem afirmando que iFood pretende encerrar atividades no Brasil.