Diante da tragédia climática que vive o Rio Grande do Sul, o desencontro de informações tem aumentado nas redes, gerando dúvidas e desinformação. Dentre elas, a de que todos os caminhões com ajuda humanitária em direção ao estado estariam sendo barrados ou multados por não terem nota fiscal dos produtos doados.
Checagem de fatos originalmente publicada pela Agência Lupa
O tema, que foi abordado em duas verificações da Lupa (aqui e aqui), voltou a circular nas redes após uma reportagem do SBT noticiar nesta terça-feira (7) que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estaria barrando caminhões com ajuda humanitária em Santa Catarina porque os veículos estavam acima do peso de carga e não tinham nota fiscal dos donativos.
Contudo, o caso divulgado pelo SBT — e confirmado nesta quarta-feira (8) pela Lupa — têm sido usado em posts nas redes sociais para generalizar a situação e afirmar, sem provas, que todos os caminhões com donativos em direção ao Rio Grande do Sul estão sendo penalizados.
A Lupa apurou e reuniu o que se sabe até o momento sobre a fiscalização de veículos que estão transportando doações ao estado. Confira:
Recolhimento de ICMS
Posts alegando, sem provas, que veículos com donativos foram barrados em fiscalizações no Rio Grande do Sul começaram a circular nas redes desde o último domingo (5). Os boatos surgiram a partir de uma publicação que alegava que caminhões foram retidos no posto fiscal da BR-153, sentido Erechim (RS), por não possuírem nota fiscal e recolhimento de ICMS. Era falso.
As secretarias da Fazenda do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, além da Polícia Rodoviária Federal do RS, esclareceram que a informação não era verdade — e que, portanto, não estava havendo exigência de nota nem cobrança de imposto. Além disso, a conta que fez a publicação que originou os relatos explicou que os caminhões seguiram viagem depois de acertado o local para onde iam as doações.
Excesso de carga e exigência de nota fiscal
Na manhã de terça-feira (7), outro post com tema semelhante voltou a circular. Ele alegava que um caminhão da empresa Bread King, carregado com donativos para as vítimas das enchentes, foi barrado por estar sem nota fiscal e com 500kg de carga superior ao peso permitido na balança. A informação também era falsa.
A Bread King, proprietária do caminhão, publicou em seu Instagram uma nota de esclarecimento afirmando que o veículo foi abordado no posto de fiscalização, mas não sofreu qualquer autuação. “A Bread King esclarece que o veículo seguiu viagem até seu destino final, entregando os suprimentos aos necessitados ainda durante a madrugada. No posto de fiscalização, o veículo foi abordado devido ao excesso de peso, porém foi liberado sem receber qualquer notificação ou autuação”, disse a empresa no comunicado.
Notificação em Santa Catarina
A reportagem exibida pelo SBT trata de um caso diferente dos conteúdos desinformativos citados acima e verificados pela Lupa. É sobre uma fiscalização a um comboio de caminhões da Defesa Civil de Santa Catarina, em Araranguá (SC), que levava ajuda humanitária e teria sido multado por estar acima do peso permitido.
O superintendente da Defesa Civil de Florianópolis, Samuel Vidal, que aparece na reportagem, comentou em sua conta no Instagram que, de fato, houve notificação por excesso de carga. “Realmente passamos por essa situação com um comboio de 4 carretas que estávamos levando pra Bento Gonçalves. Fomos multados por excesso de carga e solicitaram a nota fiscal das doações. Iremos recorrer dessa injustiça. Entregamos hoje os mantimentos em Bento Gonçalves para atender 5 cidades da região”, postou.
Por telefone, Samuel Vidal confirmou a informação à Lupa. “De fato isso ocorreu. Tenho o depoimento do motorista, tenho a notificação. Uma das multas foi por excesso de carga”, ressaltou. Vidal afirmou ainda que o comboio seguiu com as doações para Bento Gonçalves (RS). Ele não soube dizer, contudo, se a notificação aplicada pela ANTT havia sido cancelada pela agência.
Num primeiro momento, a ANTT negou que estava retendo veículos de carga nas vias de acesso ao Rio Grande do Sul. “Não há solicitação de nota fiscal e nem aplicação de multas sobre veículos que transportam donativos”, informou. Após a repercussão do caso, no entanto, o diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale, confirmou, em vídeo publicado no Youtube, que houve seis casos, segundo ele isolados, de autuação por excesso de peso no posto de fiscalização de Araranguá (SC). As multas, disse, seriam todas anuladas. “Todos esses casos, foram seis, seguiram suas viagens sem retenção na balança ao constatarmos que eram doações”, explicou.
A Lupa questionou a ANTT, que confirmou, em nota, que “houve casos isolados de autuação por excesso de peso” e que todas as autuações, incluindo o comboio de carretas da Defesa Civil de SC, foram anuladas. A ANTT também publicou uma nota em seu site afirmando que não estava retendo veículos de carga nas vias de acesso ao Rio Grande do Sul e que os veículos de carga que passam pelas balanças em rodovias estão sujeitos a um procedimento simplificado de fiscalização e são liberados para seguir viagem.
“Não há solicitação de nota fiscal e nem aplicação de multas sobre veículos que transportam donativos. Os vídeos que circulam na internet que afirmam que a ANTT reteve veículos de doação não condizem com a realidade dos fatos”, afirmou a agência.
A Lupa questionou a ANTT sobre o total de multas aplicadas desde sexta-feira (3) no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina e se houve autuações por falta de nota fiscal das doações, porém, até a publicação desta reportagem, não obteve resposta da agência.
O SBT chegou a receber críticas pela reportagem. Diante disso, a apresentadora Márcia Dantas, do Tá na Hora, leu um posicionamento da emissora sobre o fato durante o programa Chega Mais, nesta quarta-feira (8). “O SBT não divulga fake news, nós somos uma emissora com compromisso da verdade, estamos aqui para ajudar a população do Rio Grande do Sul, estamos aqui para informar, para ajudar nessas doações. Em nenhum momento a gente divulgou fake news. Nós fomos ontem pegos de surpresa por uma situação, informando que a nossa emissora estaria indo de encontro com outras emissoras, fazendo um discurso de ódio, e na verdade não é o nosso objetivo”, afirmou.
Há risco de multa ou restrição a caminhões que estão chegando?
A ANTT publicou nesta quarta-feira (8) uma portaria que oficializa uma série de medidas de flexibilização regulatória e de fiscalização diante da crise no Rio Grande do Sul. Essas orientações não estavam formalizadas até então, mas a agência afirma que elas já vinham sendo adotadas — apesar dos casos isolados citados acima.
No texto, a ANTT informa que os veículos com donativos destinados ao atendimento da população atingida pela calamidade pública no Rio Grande do Sul serão “prioritariamente atendidos e dispensados dos procedimentos de fiscalização”.
A norma ainda cita que “a simples declaração verbal do motorista será suficiente para liberação do veículo pelo fiscal”, mas que essa medida não dispensa o transportador “da observância da legislação vigente, visando garantir a segurança viária e de trânsito”. A portaria não traz nenhuma informação sobre multas que tenham sido aplicadas e se elas serão canceladas.
Segundo a Receita Estadual do Rio Grande do Sul, a orientação em vigor é não parar caminhões ou veículos com donativos. Também há uma instrução para “não avaliar notas fiscais devido à excepcionalidade da situação”, afirmou por WhatsApp.
Já a Polícia Rodoviária Federal (PRF) garantiu que os agentes não estão impedindo nem exigindo nota fiscal de veículos com donativos para o RS. “É mentira que estejamos bloqueando o trânsito de veículos com doações por falta de nota fiscal”, afirmou à Lupa o chefe de comunicação da PRF-RS, Douglas Paveck Bomfim.
A assessoria do governo do Rio Grande Sul informou, por WhatsApp, que vem atuando com outros órgãos que trabalham nas rodovias do estado para viabilizar uma logística para restabelecer as rotas de tráfego. “Importante ressaltar que não há nenhum tipo de bloqueio por fiscalização para o trânsito de veículos destinados para o atendimento de emergência e abastecimento de produtos essenciais e doações”, garante a nota.